23 de setembro de 2015

Outras cozinhas

Há coisas que não se esquecem. Fazer a aproximação à Régua pela estrada pombalina que vem de Lamego é parte da emoção que nos assalta ao revisitar a civilização vinhateira do Douro. De súbito a paisagem ante os nossos olhos funde-se com a nossa própria experiência e com algumas das páginas mais familiares de Torga, Manuel Mendes, Araújo Correia e do seu filho Camilo, de António Barreto ou Pires Cabral, formando uma espécie de música de fundo que é ainda o próprio trabalho da emoção a desfiar-se.


Ir à Régua, que antes era porta de saída e agora é pórtico de entrada, é também ir em peregrinação ao Cacho d’Oiro, lugar de sólidas tradições e que não decepciona, como comprovámos mais de uma vez. É um restaurante de ambiente tradicional, sem outra pretensão que não seja a satisfação prandial do cliente, sem nenhum conforto decorativo de monta, mas com um requinte especial: a simpatia, atenção e afabilidade de todos quantos lá trabalham. Mas não é esse o único aspecto que merece referência, pois a qualidade de confecção dos pratos é assinalável: carnes, peixes e sobremesas. Recordo aqui, a título de exemplo, as costeletinhas de anho na brasa, o bife do lombo, os filetes de polvo com arroz do mesmo, o polvo no forno em crosta de broa. E falta uma referência essencial: o vinho tinto do lavrador (que já não é dos «Lavradores de Feitoria»), engarrafado sem rótulo, é uma companhia muitíssimo recomendável, embora a casa disponha de uma razoável lista de outros vinhos. E, atenção, está aberto até não haver mais clientes.



Novidade foi o Castas e Pratos, um bar que é também restaurante. A primeira boa impressão foi para o «espaço», um aproveitamento muito bem concebido de antigos armazéns ao serviço da estação de caminhos-de-ferro. Aqui, o pessoal é também simpático e muito profissional (de há muito uma das diferenças notáveis na restauração do Norte), mas o ambiente é muito diferente, mais sofisticado, com alguns tiques, mas sem ser pedante. A decoração é sobretudo criada pela iluminação (que num ou noutro ponto chega a ser de menos) e é extremamente confortável. A comida apresenta alguns dos maneirismos próprios da chamada «cozinha de autor», mas é admiravelmente perfumada e saborosa: o cabrito estufado em vinho do porto com esmagado de favas e alheira de caça, o magret de pato com abacaxi em rum e maçã reineta, o salmão grelhado, o bife do menu infantil… O demi-cuit  de chocolate negro com gelado de frutos do bosque estava no ponto, embora o chocolate não estivesse à altura. A lista de vinhos é robusta, centrada nos vinhos do Douro, como é natural, e tem a virtude de à variedade das marcas juntar uma saudável variedade de preços. Bebeu-se uma garrafa de Pombal do Vesúvio, que não desmereceu.

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