Em Évora, o Fialho
Nem sempre, quando se volta a Évora, se vai
comer ao Fialho. Mas é indispensável regressar de vez em quando ao Fialho. Em
tempo de glórias efémeras e famas transitórias precisamos muito de ter algum
sinal visível, e neste caso também degustável, de que o mundo não começou hoje
como muita gente hoje parece acreditar.
O Fialho, fundado vai para setenta anos, é uma âncora. Não é o único restaurante desta região e desta área da gastronomia que merece distinção, mas é certamente o mais vetusto, o mais simbólico e com mais aptidão ritualística. Não por acaso, José Quitério diversas vezes lhe chamou «catedral».
O Fialho está ali, na Travessa dos
Mascarenhas, como se lá estivesse desde o princípio dos tempos, numa era lustral
da Civilização em que as mesas ostentavam já alvas toalhas de bom pano e amplos
guardanapos da mesma matéria-prima, e em que a simplicidade é um luxo tangível. E não é dizer pouco. A sala principal continua a ser uma sala familiar.
Os empregados movem-se com total discrição, surgindo do nada apenas quando
necessários para manter a ordem prandial – o asseio visual da mesa, o vinho nos
copos – com gestos em que a simpatia, sempre presente, se traduz sobretudo em
eficácia.
O culto praticado nesta catedral é o da cozinha
tradicional alentejana. Não se esperem impróprios impulsos de imaginação. O Sr.
Gabriel Fialho, filho do fundador e responsável pela cozinha, não é um
heresiarca da inovação. É, como devem ser os sacerdotes, um zelador do templo e
um mediador, neste caso, entre o palato do comensal e a esfera dos sabores divinos.
Espere-se, sim, a impecabilidade da confecção, a qualidade das matérias-primas,
o requinte dos detalhes.
As entradas – impossível provar de tudo, para
não arruinar o almoço – escolhidas foram o presunto ibérico, bom embora um nada
seco, a salada de pimentos, magnífica, e o bom queijo de ovelha. O pão cumpre.
Os pratos eleitos foram medalhões de porco com puré de maçã – a opulência da
carne redime inteiramente o prato de qualquer acusação de vulgaridade – e
perdiz de escabeche, um hino ao equilíbrio entre a textura da carne e ao
tempero sábio, na justa conta, sem que a quantidade pródiga provoque fadiga (as
batatas fritas em rodelas do acompanhamento estavam bem fritas e estaladiças).
À sobremesa – encharcada, sericá e leite-creme – nihil obstat.