22 de fevereiro de 2015

Outras cozinhas



Se há um mês me tivessem desafiado para ir comer cozido à portuguesa ao restaurante do CCB, teria franzido o nariz. Porque me pareceria um local demasiado asséptico para uma comezaina tão tradicional e farta como o cozido e porque não quereria correr o risco de ter de me confrontar, não com um cozido, mas com uma ideia de cozido, materializada numa arrevesada arquitectura minimalista de ingredientes.

Convidada para o bufete de cozido servido aos domingos no restaurante A Commenda, tive oportunidade de me confrontar com um cozido que arrasou por completo o preconceito.

Um cozido com tudo o que é preciso. Carne de vaca e de aves, entrecosto, orelha e chispe, focinho de porco e toucinho fumados (e um suplemento não ortodoxo, mas delicioso de pezinhos de coentrada), feijão, arroz, batatas, cenouras, couve lombarda e portuguesa, chouriço, farinheira, morcelas, maranhos, chouriço de sangue, e outros enchidos, tudo quente como é devido e sem escorrências espúrias, servido em separado de modo a que o comensal possa escolher o que é mais do seu agrado, na quantidade que mais lhe convier, este é um cozido excelente e que se recomenda.

A qualidade da matéria-prima e da confecção, o seu largo poder de evocação, compensou largamente a inferioridade dos doces. 

O vinho (Serras de Azeitão) cumpriu com galhardia o seu papel. Porém, não foi possível deixar de pensar num vinho bebido recentemente e que teria ampliado ainda mais o prazer prandial e para o qual se chama a atenção: Maria Mora, Reserva 2011 (14%, feito com Syrah, Touriga Nacional e Alicante Bouschet), com origem em Mora, Alto Alentejo, e que, além do mais, ostenta no rótulo um desenho do pintor e ilustrador neo-realista Manuel Ribeiro de Pavia (natural de Pavia, Mora, 1907-1957).


Nota à margem:
A munificência do cozido proporcionou, exigiu mesmo, a ingestão demorada de uma bebida forte (no caso, um Balvenie de 10 anos e muitos mais de casa) tomada já no desolado conforto invernal do jardim, cheio das folhas que o vento fez cair das árvores, e a ansiada companhia de um Magnum 46 (H. Upmann), acabado de fumar já na semi-obscuridade do escritório-biblioteca, ideal para ouvir de novo os Wesendonk Lieder de Wagner, por Jonas Kaufmann, um dos grandes cantores wagnerianos da actualidade, longe do desgostante ruído do mundo.


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