30 de agosto de 2013

A minha vizinha de cima* – crónicas 8


A minha vizinha de cima foi de férias apesar das lamúrias sobre a crise. Mas factos são factos e é um facto que férias são férias.

Não foi para Quarteira, como noutros tempos, nem para Monte Gordo, como em tempos ainda mais recuados. Nada disso. As férias são para descansar! Pois bem, foi para um turismo rural ao largo da chamada costa vicentina, mas à beira de águas doces e desinfectadas. Levou apenas a filha, os mais velhos declinaram a previsível seca.

Naquela pequena convivência de comunidade veraneante que começa à mesa madrugadora do pequeno-almoço, foram – ela e o marido – cooptados por um casal que os atou à sua amistosa exuberância.

Na casa dos sessenta, ele parecia bem mais novo do que o marido funcionário da minha vizinha de cima. Era alto e espadaúdo, luxuriosamente moreno, olhos faiscantes, bigode negro retorcido e uma inescapável voz de barítono. Fora militar nas campanhas de África e, no regresso, comandara uma corporação de bombeiros voluntários, mantendo para o efeito o epíteto de capitão.

Ela era mais nova, quarenta e muitos. Loura postiça, tisnada de sol e cremes em demasia, boca descarada, corpo ossudo e firme. Nela, o inescapável era o biquíni. Era ele, com todas as suas promessas, que se reflectia com insistência na fixidez embasbacada das lentes escuras do marido da minha vizinha de cima.

A única coisa que o fazia desviar o olhar era a devoção inexplicável do cantante capitão pela sua própria mulher, sem que isso perturbasse a constante volúpia em que envolvia a mulher dele, enquanto explicava, como se entoasse uma ária, o caso candente dos swaps, palavra que articulava sensualmente, trocando olhares com a loura oxigenada, que casquinava baixinho, olhando por cima de enormes e negríssimos óculos de sol. De marca.

A minha vizinha de cima, sem hipótese de pôr de pé a sua personagem, ficou esmagada. Faltava-lhe o ar, extasiada por anestesia. O marido, sem voz que competisse com a do alto capitão, miava monossílabos com olhar sonhador e concordava, concordava, concordava sem cessar.

Uma noite, ao jantar, pedido mais um grande jarro de borbulhante sangria, o capitão, fazendo que todos se inclinassem para o centro da mesa de modo a garantir o sigilo de mais uma história picante, lançou um braço por cima dos ombros desnudos da minha vizinha de cima e pousou-lhe a manápula sobre o braço o tempo suficiente para sentir a pele arrepiar-se-lhe.

Regressada, a minha vizinha de cima tem dito a toda a gente que não conseguiu descansar nada nas férias, que assim não vale a pena gastar o dinheiro. Levanta-se agora ainda mais cedo e arrasta cadeiras com inusitado vigor para hora tão matutina.




Jorge Colaço
(convidado deste blog)

* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência. 

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