Todos os vizinhos de cima
arrastam coisas com frequência perturbadora e a horas pouco cristãs. Toda a
gente sabe que os vizinhos de cima não andam, marcham. E que falam muito alto.
E que insistem em que ouçamos os seus programas de televisão preferidos e as
músicas da rádio que são o seu verdadeiro retrato.
A minha vizinha de cima não é excepção. Mas tem peculiaridades.
Tem o fétiche das cadeiras.
Arrasta cadeiras com o desespero com que os náufragos se precipitam para as
bóias de salvação. Arrasta cadeiras compulsivamente. O arrastamento tem
diferentes intensidades, variando entre o pequeno arrastamento espasmódico e o
longo e agudo arrastamento. Mas o mais curioso é que os arrastamentos se
realizam num ritmo regular durante todo o dia, embora com picos de intensidade
relativamente fáceis de situar.
O dia da minha vizinha de cima é
uma sucessão de arrastamentos, pequenos e grandes. São dias cheios.
A mim, o que me incomoda, mais
do que o ruído e a subsequente irritação, é que a ela esse mesmo ruído não
incomode. O que faz com que a irritante idiossincrasia da minha vizinha de cima
se torne uma inquietante questão civilizacional.
Jorge Colaço
(convidado deste blog)
*
Qualquer semelhança das
personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência.
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