Há coisas que não
se esquecem. Fazer a aproximação à Régua pela estrada pombalina que vem de
Lamego é parte da emoção que nos assalta ao revisitar a civilização vinhateira
do Douro. De súbito a paisagem ante os nossos olhos funde-se com a nossa
própria experiência e com algumas das páginas mais familiares de Torga, Manuel
Mendes, Araújo Correia e do seu filho Camilo, de António Barreto ou Pires Cabral, formando uma espécie de música de fundo que é ainda o próprio trabalho da emoção a desfiar-se.
Ir à Régua, que
antes era porta de saída e agora é pórtico de entrada, é também ir em
peregrinação ao Cacho d’Oiro, lugar de sólidas tradições e que não decepciona,
como comprovámos mais de uma vez. É um restaurante de ambiente tradicional, sem
outra pretensão que não seja a satisfação prandial do cliente, sem nenhum
conforto decorativo de monta, mas com um requinte especial: a simpatia, atenção
e afabilidade de todos quantos lá trabalham. Mas não é esse o único aspecto que
merece referência, pois a qualidade de confecção dos pratos é assinalável:
carnes, peixes e sobremesas. Recordo aqui, a título de exemplo, as
costeletinhas de anho na brasa, o bife do lombo, os filetes de polvo com arroz do
mesmo, o polvo no forno em crosta de broa. E falta uma referência essencial: o
vinho tinto do lavrador (que já não é dos «Lavradores de Feitoria»),
engarrafado sem rótulo, é uma companhia muitíssimo recomendável, embora a casa
disponha de uma razoável lista de outros vinhos. E, atenção, está aberto até
não haver mais clientes.
Novidade foi o Castas e Pratos, um bar que é também restaurante. A primeira boa
impressão foi para o «espaço», um aproveitamento muito bem concebido de antigos
armazéns ao serviço da estação de caminhos-de-ferro. Aqui, o pessoal é também simpático
e muito profissional (de há muito uma das diferenças notáveis na restauração do
Norte), mas o ambiente é muito diferente, mais sofisticado, com alguns tiques,
mas sem ser pedante. A decoração é sobretudo criada pela iluminação (que num ou
noutro ponto chega a ser de menos) e é extremamente confortável. A comida
apresenta alguns dos maneirismos próprios da chamada «cozinha de autor», mas é admiravelmente perfumada e saborosa: o cabrito
estufado em vinho do porto com esmagado de favas e alheira de caça, o magret de pato com abacaxi em rum e maçã
reineta, o salmão grelhado, o bife do menu infantil… O demi-cuit de chocolate negro com gelado de frutos do bosque
estava no ponto, embora o chocolate não estivesse à altura. A lista de vinhos é
robusta, centrada nos vinhos do Douro, como é natural, e tem a virtude de à
variedade das marcas juntar uma saudável variedade de preços. Bebeu-se uma
garrafa de Pombal do Vesúvio, que não desmereceu.
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