Com os farrapos do que lhe chegou aos ouvidos, ostensiva e falsamente desatentos, algumas ideias começaram a arrumar-se-lhe na mente, sem remédio.
Pouco a pouco, formou um difuso, e confuso, imaginário equestre de espáduas retesadas e garupas luzidias, de arreios ornados de metais: selas, bridões, antolhos, rédeas, chibatas — flamantes línguas de couro negro.
Foi assim que, ao longo de muitos dias, se multiplicou, ufana, em trotes e pinotes, cabriolas e cavalgadas. Porém, o tempo às éguas também faz a sua mossa. E não se reconheciam naquele sobressalto dos nervos as qualidades que Frei António das Chagas atribuiu ao cavalo do Conde de Sabugal, que dava grandes curvetas. A bruteza sim, mas não a galhardia. E não se prestando a andadura à música, as salsas não lhe saíam airosas. Galopes de pau, dir-se-ia.
Sempre que aquele alvoroço cavalar a tomava, outras imagens a assaltavam, insistentes. No meio daqueles tormentosos prazeres, involuntariamente lhe apareciam — ele há coisas extraordinárias — as figuras de Rod Stewart e de José Sócrates, ofuscantes clarões.
Roderick fazia-lhe talvez lembrar as promessas e ousadias das primeiras fervuras do sangue, numa juventude tão distante quanto próxima. As promessas de José, essas, provocavam-lhe um anelante arfar, imperceptível e ao mesmo tempo indisfarçável, e uma espécie de taquicardia que, curiosamente, lhe pulsava no ventre.
E, nesses momentos, compungida sonhadora, a ideia do mortificado no seu retiro eborense enchia-lhe o espírito de sombras, que ela — mal ou bem — intimamente associava às de Grey.
Jorge Colaço
(convidado deste blog)
* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência.
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