A minha vizinha de cima tem, ao contrário da
maior parte das mulheres que conheço, uma paixão por engomar.
Gosta do cheiro quente que a roupa exala ao
ser engomada, das golfadas de vapor. Gosta sobretudo de ver como a força
aplicada quase sem esforço sobre o ferro de engomar, nave desconhecida envolta
em fumo, se traduz no mágico alisar das rugas e pregas da roupa metodicamente
dobrada depois de lavada e seca.
O ferro de engomar é, para ela, uma espécie de
prolongamento do braço, uma prótese que lhe permite chegar às mais recônditas e
difíceis costuras. Domina a técnica, conhece todos os matizes da regulação da
temperatura e da utilização do vapor.
Metódica, minuciosa, perfeccionista, é no
vinco que mais se compraz. A compressão da dobra, a marcação do limite, a
firmeza do ataque, a leveza da insistência, da suave repetição, são movimentos
que a enchem de indescritível e inconfessável prazer.
Depois disso, senta-se languidamente, cansada
mas satisfeita, sentindo-se flutuar. E é então que sonha. Mas todos os seus
sonhos são imperativamente interrompidos por todas aquelas coisas desagradáveis
que tem de fazer até a próxima máquina de roupa secar.
Jorge Colaço
(convidado deste blog)
* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência.
Sem comentários:
Enviar um comentário